A nudez dos
anjos e dos homens concretizadas na tela nada revela além do corpo, da forma,
mas é uma ode ao organismo vivo e ao mesmo tempo ao ser etéreo na composição do
artista. Alguns dizem que o corpo é a casa da alma ou o seu cárcere, que não
pode ser maculado para não macular a alma. Mas a alma não precisa da pele. Ela
já flutua no divino líquido amniótico, onde a nudez não é castigada. A nudez todos
podem ocultar sob ricas sedas e armaduras, por convenção ou punição. Mas o nu é
concebido sem pecado. No mais, a contemplação e o desejo podem mudar a sentença
na criação do elogio ao belo e aos homens e mulheres dizer que a nudez pode ser
premiada pelas ondas da paixão, pela febre do amor, pela arte a botar beleza em
nossos olhos e em inesquecíveis noites e madrugadas. Ou à luz do dia.
Esta tela é de Hostyano,
um artista brasileiro, preciso conferir de que estado nordestino. Assim que
souber detalhes, volto aqui para atualizar informações.
Conheci esta
tela há anos, na casa de um amigo que pra mim é um espaço encantado. Atualmente
nos vemos pouco, mas qualquer brecha para um encontro já me deixa imensamente
feliz. Como já disse outra vez, ir vê-lo é como se vivesse uma versão do conto Música
para Camaleões, de Truman Capote, um escritor que está entre os meus
preferidos. Com direito a chá e bolo caseiro. Ele é muito discreto e por isso
não digo seu nome, posso batizá-lo de Wolf, um desgarrado. Tem testa alta e ar
nobre. Olhinhos brilhantes, buliçosos e voz que prende pelo timbre e pelos
causos contados.
Fui visitá-lo na
sexta-feira. 15. Arranjei um pretexto rapidinho: devolver um livro do Goethe,
um diário do autor sobre sua viagem à Itália. Quando a porta de abriu, meu
olhar começou a passear pelas paredes do corredor, uma galeria. Na sala, entre
tanta beleza, há três telas do Waldir Sarubi que me deixam encantado. E mais
não digo, por egoísmo.
Entre conversas
sobre literatura – eu adoro quando me traz livros de poetas chineses e lê
alguns trechos ou me deixa passear os olhos pelas páginas incríveis, com
poesias traduzidas e no original, que mais parece um bordado desenhado. E a
conversa desvia para lembranças e vida alheia. Nossas angústias e sonhos.
Solidão e saudade. E um desfile de gente que passou por nós, desde a época em
que eu pensava se o teatro a casa que eu queria habitar.
Inevitável que
os mortos viessem à tona. Mas a tarde voltou-se para Manoel de Barros, o poeta
mato-grossense que morreu no dia 13. O livro do Goethe me fez ver a imagem
nascendo da palavra ou a palavra materializando-se em imagens. E eu encerrei a apresentação
que eu ia fazem, com uma visão poética que descobri num poema de Manoel de
Barros, chamado:
DESPALAVRA
Hoje eu atingi o reino das imagens, o
reino da despalavra.
Daqui vem que todas as coisas podem ter
qualidades humanas
Daqui vem que todas as coisas podem ter
qualidade de pássaros.
Daqui
vem que todas as coisas podem ter qualidade de sapo.
Daqui
vem que todos os poetas podem ter qualidade de árvore.
Daqui
vem que os poetas podem arborizar os pássaros.
Daqui vem que todos os poetas podem harmonizar as águas.
Daqui vem que todos os poetas podem harmonizar as águas.
Daqui
vem que os poetas devem aumentar o mundo com suas metáforas
Que
os poetas podem pré-coisas, pré-vermes, podem pré-musgos.
Daqui
vem que os poetas podem compreender o mundo sem conceitos.
Que os poetas podem refazer o mundo por imagens, por eflúvios, por afeto.
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