sábado, 18 de outubro de 2014

Na companhia de Dorothy Parker

A Round Table no Salão Rosa do Hotel Algonquin (rua 44, Oeste, NY), caricatura de Al Hirschfeld.


FRUSTRAÇÃO

Se eu tivesse uma arma neste momento
Teria um mundo de divertimento
espalhando balas nos cérebros, sem pudor,
daqueles que me causaram dor.

Ou tivesse eu algum gás venenoso
teria um passatempo gostoso
acabando com um número indigesto
de pessoas que detesto

Mas não tenho nenhuma arma mortal
Assim, a Fatalidade não me dá prazer tal.
Então eles ainda estão lépidos e fagueiros
aqueles que mereceriam o inferno por inteiro.

(Dorothy Parker. Trad. Angela Carneiro)

Depois da apresentação do CD da trilha musical de “Berlinda”, com a participação da Berlinda Band, um grupo que nasceu junto com a gravação do disco dirigida pelo músico Hélio Silva, eu faço uma parada e deixo a berlinda seguir seu caminho. Agora, com o samba enredo que está nas redes sociais e no Youtube. Foi um ano de muito trabalho e dedicação ao projeto que juntou literatura, música e o audiovisual, mas que me deu muita alegria, me fez acalentar novos sonhos e saber, também, que encontrar um pedaço de chão no universo da literatura é tarefa árdua.  E em meio a bienais nacionais e internacionais e de um mercado aberto mais para best sellers, aprendi que o esforço para lançar um livro, é esmagador. A questão é: encarar a próxima aventura. O meu projeto não é desistir. Mas na jogada, o grande lance é como finalizar o gol.
           
 Algumas coisas ainda fervilham na cabeça e não sei o quanto devo deixar maturar, quando penso que meter o pé na estrada dos livros poderia ter sido mais cedo. Mas quando? Quando a gente sente que está pronto para dar o primeiro passo?  Acho que não há resposta. Que o digam as biografias dos autores. De qualquer forma, entrar no universo do livro tem que contar com uma dose de sorte para mostrar o que deixa de ser sonho para ser produto que conquiste o leitor. Isso pode custar muito, uma vida e até o pós-vida.

            Talvez eu pudesse ter começado mais cedo, mas o jornalismo me envolveu muito, era como bombinha de oxigênio, até o dia em que me vi fora de uma redação e sem rumo. Nem pensava na literatura como caminho possível para uma atividade que fazia parte da minha estrutura mental e intelectual: produzir textos.

            Feita essa primeira caminhada, há um tanto de esgotamento, pois escrever o livro e o que veio depois foi uma coisa paralela pesada, uma vez que tenho de sobreviver e isso significa trabalhar regularmente - aqui nem cabe levantar a bola do prazer e da felicidade de batalhar pelo ganha-pão.

            Faço pausa sem pausa, pois saio da frente da tela onde escrevo e me fantasio de leitor ameaçado prazeirosamente por uma fila de livros que não tem fim.

            Ainda leio ‘Dance Dance Dance’, de Haruki Murakami, que está na estante dos autores asiáticos, que retomei recentemente.

            Numa outra banda estão os autores de língua árabe que, na verdade, estou descobrindo. Comecei a ler ‘E nós cobrimos seus olhos – uma novela e outros contos’, do egípcio Alaa Al Aswany, traduzido do árabe para o português do Brasil. Estou formando uma pequena biblioteca desses autores, sem esquecer que perdi minha virgindade como leitor com as 'Mil e uma noites', há muitos anos. Mais tarde faço uma lista do que consegui em alguns sebos interessantes.

            Há a fila das releituras, encabeçada por ‘Z’, de Vassilis Vassilikos, ‘Somos todos arlequins’, de Vladmir Nabokov e alguns casos interessantes desse cerco com o qual me defronto.

Mas desde ontem, por exemplo, vira e mexe meus olhos eram atraídos para uma pilha de livros quieta num móvel da sala e um deles parecia me chamar com uma insistência fora do normal. Como resistir?

           
Dorothy Parker

Hoje, antes do almoço, peguei o livro e fui para o conto que dá título à coletânea de textos de Dorothy Parker, ‘Big Loira’, editado pela Companhia das Letras, em 1987. É o único livro que eu tenho dela e que me faz viajar para a década de 30, do século passado. Pouco traduzida no Brasil, essa genial escritora, dramaturga, poeta e crítica estadunidense (1893/1967), amada e odiada por seus contemporâneos, morreu pobre.

No prefácio “Crise de choro ou, de preferência, risos”, assinado por Ruy Castro, ele traça um breve perfil de Dorothy, que era dona de uma personalidade fascinante e do qual pincei este pequeno fragmento:



Clare Booth Luce, mulher do influente editor da revista Time, Henry Luce, cruzou com ela (Dorothy Parker) numa porta giratória. As duas não se gostavam – uma maneira suave de dizer que se detestavam. Clare era mais jovem. Cortesmente, deixou Dorothy Parker passar primeiro pela porta, só que dizendo:

- As velhas, antes das belas.

Parker desfechou no ato:

- As pérolas, antes das porcas.

Enquanto Henry Luce foi vivo, Dorothy nunca mais saiu na Time.

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