sábado, 26 de julho de 2014

Caminhos e travessias

Ruas de uma cidade. Dr. Freitas. Belém. By Ronald Junqueiro

Depois de Jubaldo e Rubem Alves, outro adeus de provocar tristeza foi o de Ariano Suassuna. Quero apenas deixar marcado esse dia, no sábado do Diário. Eles se foram, mas deixaram seus personagens, a rica prosa e a poesia para todas as gerações.

Esta semana foi bem diferente. Entrei nas redes sociais e ofereci meu CD para amigos que já haviam comprado o livro e, também, para que não tinha o romance. E a reposta foi positiva. Fiquei surpreso com a acolhida. Inaugurei o serviço de “autor delivery”, por tempo determinado.  E eu mesmo fui deixar de porta em porta as encomendas. Lembrei-me de algumas noites boêmias no Rio e São Paulo, quando apareciam poetas e escritores se autodenominando alternativos ou marginais oferecendo suas “crias e criações”, em especial nas décadas de 70 e 80, quando eu sempre colocava as duas cidades nos meus planos de férias. Olhando para trás, vejo o quanto eram invisíveis esses personagens da noite.

Lá ou cá, o sentimento não é outro. Não para todos evidentemente. Mas estou sentindo na pele a invisibilidade que acompanha autores de editoras pequenas ou de edições independentes. Mais ainda quem está dando os primeiros passos a caminho de paraísos ficcionais. Andar nas estradas das letras pode ferir os pés tanto quanto o caminho de brasas, lâminas e pedras. Não com a mesma dor do caminho real, claro, e nem com tanta dor que, na verdade, é apenas figura de linguagem. Escrever não é tortura, logo, a dor pode ser fingimento, como na poesia pessoana.

O certo é que assumi o uniforme de consultor ou vendedor de cosméticos e perfumes, com todo o respeito. Mas vamos admitir que livros e cds sejam produtos e não filhos. Envolvem um processo de produção e pós-produção que significa custos. Por isso penso que sonhos precisam de orçamento. As dificuldades de não ter distribuidor e uma editora grande que banque o produto no mercado, deixam o autor refém de uma rede de amigos e conhecidos. Não é a situação ideal, mas se a realidade é essa, vamos jogar a favor. É o tal trabalho de formiguinha embalado no canto da cigarra.

Eu desejo ao romance vida longa e ao cd, idem. Acredito que foi um projeto ousado para um iniciante que pegou gosto pelo ofício. Não é ato de loucura. Ficou tão claro para mim que escrever é um modo de ser feliz, um abrigo, um refúgio e se eu puder me aconchegar nessa imaginária caverna, farei isso.

Não importa o caminho e suas surpresas, acho que a gente nasceu para caminhar, para seguir uma trilha, tanto faz seja torta aos olhos alheios. Como digo na letra de uma das músicas que estão no cd.

Qualquer amor é possível
se estou disposto
se o caminho é livre
Tanto faz ser torto.

Daqui não levamos nada na hora da partida. Se pudermos deixar alguma coisa, como uma vaga lembrança, que seja. E que seja lembrança das boas, que possa ser plantada qual semente na memória de quem se possa espalhar esse pouco de nós. É o melhor pagamento. Eu quero me fazer merecedor disso tudo e no que depender de mim farei por merecer.


A ideia é próximo livro. Ele já está a caminho.

sábado, 19 de julho de 2014

Lá se vai mais um dia assim

Vida boa, vida breve, dizia o poeta Cazuza. By Ronald Junqueiro.


Alguma coisa acontece e a gente sabe do acontecido, que aquilo é verdade, mas custa a assimilar o fato como verdadeiro. Vi a notícia logo cedo, na sexta. João Ubaldo Ribeiro estava morto. Havia uma estranheza no ar. Mudei de canais para ver o noticiário em outros telejornais, entrei na internet, vasculhei as redes sociais e lá estava a notícia da morte do escritor. João Ubaldo já não estava entre nós. Ser apanhado de surpresa nos tira dos eixos, mais ainda ao acordar. A manhã lá fora, cheia de sol e da cidade em movimento e para dentro da gente a manhã continua iluminada, só que é uma claridade diferente, sem sombras; tem luz, só que a paisagem é fria, indiferente. Há tristeza em tudo, dentro e fora. E uma enorme falta de vontade de espantar a tristeza. Ela nem é má companhia.

É incrível como a gente lê tanto essa gente das letras que até parecem ser nossos parentes.  Nem os conhecemos pessoalmente e nem deles privamos da amizade. Mas nesse caso nem precisa. Os laços se fazem sem controle e nos pegamos muitas vezes falando dessa gente sem solenidade, sem os vermos como gente do outro mundo estelar. E a gente se pega muitas vezes falando do João Ubaldo Ribeiro, o Jubaldo como era tratado pelos amigos, que nem tivéssemos acabado de encontrá-lo ali na esquina e brindado à vida. Ele gostava de um gorózinho, teve problemas com o álcool e falamos dessas intimidades como se fôssemos testemunhas e companheiros.

Lá se foi João, o brasileiro berlinense que conquistou o mundo com a brasilidade de poucos. Deu adeus em um dia tão pesado, no dia em que um avião da Malásia que decolara de Amsterdã rumo a Kuala Lumpur foi atingido por um míssil e caiu na Ucrânia, perto da fronteira russa, matando quase trezentas pessoas que estavam a bordo, entre elas cem estudiosos do vírus da Aids.

Vida boa, vida breve. Nunca viveremos o bastante para dizer isso. Se olharmos para tudo o que Jubaldo fez na literatura, vamos ver que ele se foi menino. Agora é imortal.

A tristeza vai evolar-se. Essa palavra me traz tantas coisas à mente, mas é de pouco uso. Evolar lembra-me fumaça de cigarro, aqueles fios azulados dançando no ar até se desfazerem. Como a fumaça glamurosa saindo da piteira de Marlene Dietrich, acompanhada pelo som do gelo do uisquinho do poetinha Vinícius de Moraes, ou pela voz rouca da cantora Maysa que cantava fumando, ou pelo menos assim me lembro de uma cena a evolar-se em minhas lembranças. Fumaça e jazz. Faço tantas associações.

A tristeza me leva à contemplação. Fui atrás das águas. Parei na Estação das Docas, no meio da tarde, comprei um sorvete de bacuri e fiquei olhando o sol e seus reflexos. Mas a baía estava com águas meio cinzas. Tristeza é pra sentir. Não há o que pensar. Só lembrar e sentir. No paralelepípedo irregular soam passos. A água da baía lembra infância. As ilhas do outro lado de Belém, aventuras e travessuras de férias com a família.

E a tarde passa, há outras coisas a fazer...



sábado, 12 de julho de 2014

Páginas flutuantes

Mergulho em em águas profundas. By Ronald Junqueiro

Na escuridão

andando e tateando

com o coração


Sabadão da Copa. Holanda leva o terceiro lugar mandando o Brasil para o quarto. 3 x 0. E assim sigo em frente. Vou à praça torcer pela Alemanha, neste domingo, na final com a Argentina. Estou na torcida pela a Alemanha, por várias razões, agora com um cordão umbilical literário, com o surgimento de “Berlinda”.

No meio da tarde, depois de uma paradinha no Facebook para ver as reações dos brasileiros diante do resultado pífio alcançado pela Seleção Canarinho. Foi decepcionante a eliminação do Brasil, que sediou a Copa, da maneira em que se deu. A goleada inacreditável dada pela Alemanha, que terminou no 7 x 1 e que ameaçou ser mais. Não morro de vergonha como milhões de apaixonados pelo futebol. Encaro o resultado com frieza: o Brasil, que ainda não se curou da síndrome dos craques, nem mesmo depois da derrota, sabe o que é equipe, time e apostou fichas no Neymar, jogador talentoso e criativo, mas que não era e nem será o salvador da Pátria de Chuteiras. Infame o que fazem os marqueteiros, cartolas, patrocinadores e a mídia com um exército de jornalistas e comentaristas a afirmarem até o fim que o melhor da seleção era Neymar, o pintinho do cocô de ouro para esse exército de comprometidos e interessados apenas em dinheiro, em enriquecimento sob as bênçãos da CBF e FIFA.
Passou como passam as estações.

Mas o que o futebol tá fazendo aqui?  Só marcando presença. Também faz parte do diário da Berlinda que pode ir onde quiser.

Pois vem, voltando do desvio, conheço um livreiro brasileiro que mora em Berlim e que é dono da “A Livraria”, que tem muitos títulos brasileiros à venda. Hoje encontrei com ele numa das postagens da rede e ele me disse que o meu livro está à venda na sua livraria. Está à venda por 20 euros. Fiquei superfeliz com a notícia e ela me dá disposição de encontrar outros caminhos para fazer meu romance circular. É um mercado difícil, como falei outras vezes aqui, em especial para escritores independentes como eu, publicados por editoras pequenas – isso não tem nada a ver com qualidade do produto, apenas com dificuldade de distribuição.

Para escritores fora do circuito das grandes editoras é, realmente, participar de uma maratona sem uma boa musculatura. Mas isso também não pode ser motivo para fazer desistir quem quer se lançar em uma aventura literária. Mais do que antes, vejo que o mundo é cheio de histórias que podem ser contadas e que essa vidinha comum como muitas vezes a gente fala, principalmente quando anda de fogo baixo, tem gente incrível e personagens capazes de nos surpreender se topamos com eles em alguma esquina, onde dê para fazer uma paradinha para conversar. Passei muito tempo achando as histórias da minha família e de amigos próximos tão sem graça e agora, depois de colocar o pé na terra dos escritores, vejo tudo de forma diferente.

Atribuímos uma condição especial nessa instância literária para olhar o mundo por onde transitamos, mas se nos déssemos conta de que essa condição especial na verdade é nosso cotidiano, creio que estabeleceríamos uma nova relação com tudo o que nos cerca, penso que poderíamos olhar o mundo maravilhado com o que nós podemos aprender, a nos aventurarmos de uma forma mais livre e verdadeira, sem tantas simulações sociais. As pessoas que estão por perto são cheias de histórias para contar, basta que a gente pare para ouvi-las.

A experiência da “Berlinda” me deixou esse legado. Há momentos em que olho tudo como página em branco pronta para ser preenchida e outras vezes ouço como se virasse páginas já escritas, prontas para impressão. Não há velhas histórias, tudo é muito pulsante em nossa volta e é matéria que pode ser transformada em narrativa.

Assim se dá com música, outro momento de criação que é incrível. Hoje comecei a ler e estudar um pouco de haikai. Há muito tempo eu andava namorado esse tipo de poesia japonesa. É uma arquitetura fascinante construída com dezessete sílabas. Isso me remeteu aos modos modernos de escrever como a onda de escrever nano contos com o mesmo número de caracteres usados no Twitter. Esse minimalismo da fala que as pessoas levam para o altar como o formato para a velocidade do mundo moderno, condenado à falta de tempo, é uma pregação mentirosa. O Haikai veio antes do Twitter.

Vejo de outra forma: a fala ou a escrita podem ser minimalistas ou nano escritas para dar precisão à fala, á poesia, à prosa, ao diálogo.  Não deve ser encarada como economia de palavras, mas de construção e de plasticidade. Comecei a fazer exercícios que penso publicar aqui no blog, tenho só que amadurecer mais essa ideia e buscar um motivo.

Estou meio sem gás para continuar a escrever.  Mas volto. Bye, bye.

sábado, 5 de julho de 2014

Literatura com música na Berlinda

A Seleção da Berlinda. By Ronald Junqueiro

Nota triste da semana: saída do Neymar da Seleção por causa da entrada dura do jogador da Colômbia Zuñiga, aos 40 minutos do segundo tempo, que causou fratura na vértebra do brasileiro. Torcemos agora para a recuperação de Neymar.

Mas a sexta-feira veio com boas novas. Depois do meio dia enfrentei um engarrafamento horroroso na BR para chegar à transportadora que trouxe os CDs com a trilha musical do romance “Berlinda – asas para o fim do mundo”. Com isso, fecho o ciclo do projeto que elaborei para escrever um romance com trilha sonora que, até onde sei, é um projeto inédito.  O sonho de trabalhar literatura e música simultaneamente foi realizado com muita alegria e o melhor de tudo foi o coração aberto com que foi adotado por artistas - músicos, compositores e intérpretes – que disseram sim sem pestanejar.

A poeira não sentou, mas só agora, posso pensar no que foi esse processo e no tremendo esforço que foi roubar de Midas o toque que iria dourar o sonho realizado. Mas veio só o toque e a realidade de que produzir cultura no Brasil – só posso falar daqui – é candidatar-se a uma camisa de força. Não discuto qualidade, mas processo e nesse sentido, sempre me lembro de Elis Regina falando em uma entrevista que o espetáculo (cultura) no Brasil era hollywoodiano, mas a produção era macunaímica.  Não foi diferente no caso do livro e do CD, que foram possíveis, pois contra essa corrente que puxa para trás, topei com muitos amigos que acreditaram no projeto e que me fizera entender que se você acredita no que faz, se há verdade no que você se propõe, siga em frente sem atropelar ninguém.

Não falo isso em tom de lamento. Se tivesse disposição, engrossaria a crítica aos que estão provisoriamente sentados numa cadeira reservada aos podres poderes, priorizando tudo o que lhes garanta a permanência monárquica ou republicana, menos cultura – e aqui tudo o que se refere à criação artística) e educação.

Vivo um instante em que a alegria vence o cansaço e o desânimo, mas sei que, de fato, esse instante não é pontual, pois as mudanças que estou experimentando para me entender melhor neste mundo e no meu tempo – por, sem interpretações esotéricas – são de uma riqueza incalculável. Isso porque acredito que posso ser uma pessoa melhor, que me possa me desfrutar com mais prazer em mínimas coisas como ir ali à janela olhar a rua e olhar pessoas que passam mais embaixo, tecendo seus sonhos íntimos, buscando solução para seus problemas e imaginando a felicidade. O ser humano é imbatível, digo isso, pois não conheço um extraterrestre – sempre quis, mas meus vizinhos são normais. Será?

            Outra coisa boa é que vou preparar um sarau lítero-musical com a participação dos rapazes da Berlinda Band, exibição do clipe do samba enredo “Derruba o muro, mistura tudo e que Deus nos acuda”, do Grêmio Recreativo Escola de Samba Para Sempre Unidos de Berlim, na voz cheia de alegria do cantor Carlinhos Sabiá e com um arranjo fusion do músico Hélio Silva, que dirigiu a gravação e que lidera a Berlinda Band. Aproveito para lançar o CD e relançar o romance.

            Sinto um gosto antecipado de quero mais, pois a partir daí o romance e o CD deverão seguir sozinhos, sem novos eventos. Se conseguirem ir até onde a estrada os poderá levar, creiam que estou na torcida. Acredito que fiz um projeto capaz de baixar em qualquer praça. Mas confesso que é trabalho pesado, que o desafio para os produtores independentes ou alternativos é pior que o dos 300 de Esparta. Precisam dos amigos e da sorte. Sou sortudo por ter os dois.

Em outubro o romance e a música voltam ao palco no sarau “Noite da Berlinda”. Ninguém vai precisar pagar para viver essa noite com música e literatura.
Mais pra frente, informarei onde o livro e o CD serão vendidos. São dois produtos independentes. Quem compra o livro não tem que necessariamente compra o CD e vice-versa. Mas duvido que quem leve o CD não queira saber que personagem ganhou uma música só dele.

A música é uma coisa que marca a memória de todos nós, em algum momento da vida, nem que seja a marcha nupcial. Bem melhor que os réquiens e outros temas fúnebres. Aliás, acredito que velório deveria ser agitado por allegros e outros ritmos calientes. Pelo menos o meu recomendo que seja assim. Resisto à ideia de ser triste.