sábado, 28 de junho de 2014

O universo de cada um

O universo da literatura guarda mais mistérios do que sonha a vã filosofia. By Ronald Junqueiro


Ainda em ritmo de Copa. Hoje, o Brasil quase dança no Mineirão ao enfrentar o Chile. Decisão foi para os pênaltis. Não fosse uma trave no meio do caminho, o sofrimento seria maior. A trave, a pedra, Drummond. É incrível como somos levados pelo que lemos. Na estreia da Alemanha, em Salvador, com uma goleada de 4 x 0 em Portugal, a cena que mais me inspirou foi a foto da chanceler Angela Dorothea Merkel, virando um canecão de chope para comemorar a vitória, bem mais do que ela cercada pelos jogadores no vestiário. Imaginei o quanto ela devia estar feliz, bem mais que a presidente Dilma Roussef, vaiada e atacada com palavrões, manifestação nada patriótica e desrespeitosa. Oposição se faz de outra forma e desemboca na urna.

E assim as memórias são construídas. Em “Berlinda – asas para o fim do mundo” a Copa na Alemanha embala algumas cenas do romance e Angela Merkel aparece num momento dando força ao time derrotado. Para mim, um discurso da chanceler consolando seus cidadãos e sem emoção, mas como a mãe cumprindo o dever em acolher a pátria, na tristeza. Foi preciso ter o Brasil no caminho para a Merkelzinha tirar o ranço da autoridade – sem perder a autoridade – e comemorar com verdade o que estava sentindo. Simpática, ela. Mostra uma dureza feita de matéria flexível, que lhe permite ser um simples mortal. E quem sabe se a sede de alegria não foi coisa da Dorothea? Tomara que ela tenha tomado um porre e tenha se jogado em cama feita de lençóis de seda e de felicidade.

Todas as duas mulheres são personagens riquíssimos para contadores de histórias, mas não os que são contratados para urdir narrativas oficiais. Ou se fossem contratados, deveriam ter sensibilidade afinada para saber que essas senhoras têm formas e cheiros.

Parei em frente da televisão e ouvi depoimentos de dois escritores brasileiros: Lourenço Cazarré e João Gilberto Noll. O que une os dois e todos os escritores em relação ao mundo é a palavra, mas a palavra constitui um universo que se transforma e se multiplica por conta da emoção.

É uma riqueza ouvir o que eles dizem. E eu sempre tive uma forte impressão que escritores não eram pessoas para a fala e que a escrita era sua expressão absoluta. A escrita é a fala, seja na prosa ou na poesia.

São os imortais mortais e sentem, vivem angústia e sonhos, desejos e cansaços. Tudo regido por uma disciplina imposta pelo desejo de se concretizar na palavra. Ser um contador de história como se declarava Garcia Marques e como se projeta o gaúcho Lourenço Cazarré.

Há temas que são recorrentes como a solidão. Linda fala de Noll ao dizer que se sentia cansado da solidão necessária para escrever e a paixão pela palavra, pela sintaxe e pela musicalidade que há nessas construções da escrita.

Há muito que aprender e vivenciar como andarilho do universo literário. Podemos domar as palavras, mas não tempo e essa é a equação.

Admiro Cazarré por estabelecer uma relação prática com os romances juvenis, que não passam das 100 páginas. Um ponto de equilíbrio para o que ela chama de literatura adulta, que tem um ritmo menos acelerado e que o assalta na questão de tempo. Definiu uma linha para contar história a partir do cânone literário. Defende que as histórias têm começo, meio e fim e que não se preocupa em fundar uma nova literatura.

Mas João Gilberto Noll me chama a atenção quando se diz um “escritor da linguagem” e nesse modo artesanal de construir o romance depois que acha o tom.

No meu entender, esse tratamento artesanal da palavra podem até alcançar o que o escritor acredita: literatura como tesão para leitor. Literatura pode ser erótica.

Será que precisaremos de mil e uma noites para provar do erotismo criado pelas palavras, sem que a literatura venha embalada num rótulo mal-ajambrado de “literatura erótica”? Somente o leitor poderá dizer.


sábado, 21 de junho de 2014

Breve viagem ao meu redor

Ao som da chuva que traz a alegria para os dias de verão. By Ronald Junqueiro


Ando com ímpetos de fazer poesias – sempre acreditei que poesias são feitas e não, escritas – mas me sinto aprisionado em mim. Em algum momento me perdi nas rimas, nos versos, na métrica e no olhar poético, que bebeu por anos a fio Fernando Pessoa e suas pessoas e outros poetas. Meu olhar em volta está sedento, seco que nem seca nordestina, murcho entre Gobi e Saara. Preciso alargar o caminho para que haja margens poéticas. Preciso estar atento aos atalhos que sejam oásis para a contemplação e o sonhar. Todos nós buscamos essa pausa para experimentar emoções em todos os sentidos, para deixar o coração livre ao ritmo do desassossego que alteram os batimentos durante as descobertas.
Para ler enquanto viajo na Berlinda.

Não sei se é boa ou má companhia

a tristeza discreta e difusa
que se posta perto de mim.
mas que não disse a que veio.
Não quero saber dos seus planos.

Ficará aqui na sala?
Atiçará meus desenganos,
- tantos que perdi a contagem?
Ou irá consolar a rainha
depois do embate entre
Costa Rica e Inglaterra?

Que se vá para Buckingham
onde a tristeza é real.

Devo ou não leva-la a sério?

Falta-me humor
para rir dos mistérios
e dos sortilégios

Como olhar a vida com simplicidade
daquelas que libertam os olhos
até mesmo quando eles adormecem?

Vejo o quanto desaprendi
a me desarmar diante da paisagem
a olhar para mim sem restrição
sem remorso e com mais ternura.

Há uma tristeza difusa,
sem eira nem beira
sem casa para pernoitar
sem moedas na algibeira
em busca de aconchego
sem quintal com fogueiras
para atirar-se feito vampiros
que perderam o gosto pela morte-vida
que perderam o gosto pelo sangue
que abominam o tempo tedioso
que corre nas veias das virgens
dos belos rapazes da noite
dos bandidos e malfeitores
ou da criança abandonada.

Dito desse jeito estou certo
que a tristeza há de suportar minha indiferença
com paciência de Jó e sabedoria zen

Pois que espere e entenda minha impaciência!

Que considere minha falta de tempo
que leve em conta meus interesses
que não menospreze a solidão
que aqui chegou bem antes
quando eu carecia de companhia
e a volúvel tristeza andava
em lugar incerto e não sabido
esbanjando coqueterias

Não me chame de egoísta
com tanta leviandade
há outros cantos na casa
onde  ela pode aquietar-se.

Sugiro que deixe suas coisas
entre os livros da biblioteca
lá há outras tristezas
histórias que lhe farão bem
algumas escritas com tanto esmero
que até eu mesmo choro
como se pranteia no desterro.

Olho de soslaio a tristeza
e juro que dela me compadeço.
Fantasiou-se com todo esmero
que até me põe sombras no olhar.

Pobre tristeza!

Poderia dizer-lhe que a porta da rua
é serventia da casa, ponha-se daqui!
Em tom de impropério.

Perdoe-me a indiferença
com a queda dos impérios
onde reinaram gloriosos seus ancestrais.
Entenda que aqui não é um reinado
mas sei construir pontes levadiças
contra as suas intempéries
e seu poder de fogo.

Não preciso de exércitos
nem de mercenários
para desarmá-la.

Basta que eu apague a luz,
deixe a sala e vá dormir.
A noite passará e o dia virá,
não queira antecipar as horas
achando que o sol
virá para o café da manhã.
Os dias são nublados
mas a chuva pode trazer alegria
que vem molhada e rindo
como criança que não evita
a poça d’água e fica inebriada
com o cheiro da terra molhada
e das flores que dançam no jardim
vizinho do meu imenso pomar.

Ah, que tristeza difusa
que se esconde sob camadas de véus!
mas que não conhece Sherazade
nem da alcova os segredos
nem a chama que em mim arde
por amor que virá sem alarde.
E ainda que lhe pareça tarde
Isso não significa que seja o fim.

sábado, 14 de junho de 2014

Cante-me um rock'n'roll


Enquanto isso, no país verde e amarelo... By Ronald Junqueiro

  
          Toda vez que visito Virgínia Woolf e chego ao fim da história me deparo olhando o tempo em branco, por alguns minutos.  Seus personagens são tão familiares que me deixam saudade. Cada leitura é, realmente, como se fosse uma visita a pessoas queridas, como passar dias e noites em boa companhia, mesmo que a gente tope com este ou aquele personagem desagradável, o "mala" da história. Sinto-me como se estivesse numa encruzilhada literária, agora, depois de ter voltado do Farol. Qual será o próximo passo? Reluto em iniciar a marcha. Tento desviar esse lapso com outras coisas. Encho a cabeça com colagens do dia e do dia anterior. Basta isso para criar conexões com o tempo, ir pra longe estando aqui mesmo.

          Passo na sala e ligo a televisão. Vejo o noticiário.  Morreu, no Rio de Janeiro, a cantora Marlene, aos 91 anos. Foi rainha do Rádio junto com Emilinha Borba, que morreu em 2005. Bate uma tristeza inesperada.  Lembro-me do dia que vi um show com ela, no Teatro João Caetano. Era o “Te pego pela palavra”, dirigido pelo compositor e poeta Hermínio Bello de Carvalho.  E foi um momento especial ver Marlene cantar “Rock’n’roll”, do meu amigo e parceiro Vital Lima que tinha se mudado para o Rio de Janeiro atrás de um novo tempo, traçando um novo destino. A música é uma das minhas pontes para lembrar felicidades.

Não ligue se eu estou calado
Pegue aí do lado um livro
Premiado livro
E fique lendo
Eu tenho o peito magoado
E com o silêncio achado
Fico mais tranquilo
Fico me perdendo
Meu amor,
Cante-me um rock’n’roll
Quero gritar na sala, na cozinha
Do meu lar.

          Marlene pediu para que suas cinzas fossem jogadas na baía da Guanabara. Nascida Vitória Bonaiucci, em São Paulo, adotou o nome Marlene em homenagem a Marlene Dietrich. E foi rainha, desde a era do rádio.

          Nada de luto. Vou deixar na minha página o verde amarelo de um Brasil que Marlene tanto amou.  E porque é tempo de copa. Legal que Marlene se foi em dias de festa.

sábado, 7 de junho de 2014

Ficção e real, onde está o fio da meada?

Berlinda Band na segunda apresentação pública, no Hangar. By Suely Nascimento.

O encontro de escritores paraenses realizado na sexta-feira, dia 06/06, do qual eu participei juntamente com os jornalistas Walter Pinto, autor do livro “1932 – A revolução constitucionalista no Baixo Amazonas”, e Ruth Rendeiro, que escreveu “Até que o câncer nos separe” foi um momento na viagem do meu romance “Berlinda – asas para o fim do mundo” que teve uma dose especial. Pela segunda vez a música da trilha sonora esteve presente com o conjunto que nasceu nesse encontro da ficção com o real. E agora parece que a turma da música deu mais um passo para oxigenar a Berlinda Band, que na formação original tinha o Hélio Silva, no violão, mestre Ginja, no Djambe, Gabriel Gomes, na percussão, Marinho Gtr, no violão e a voz de  Reginaldo Viana.  Ontem, a Berlinda Band contou com o auxílio luxuoso do compositor e cantor Firmo Cardoso, um dos meus parceiros na trilha musical do romance, que está a caminho, no CD que será lançado em breve. O outro toque especial ficou sob a responsa do Kassio, no acordeon.

Além da banda foi exibido o clipe do samba-enredo “Derruba o muro, mistura tudo e que Deus nos Acuda”, dirigido pela jornalista Adelaide Oliveira e com edição de Savio Palheta.

O tempo definido para o evento foi curto.  A banda teve que cortar duas músicas do pocket show que havia ensaiado e deixou um gosto de quero mais. Mas vai ter bis assim que o CD chegar a Belém.

O romance “Berlinda” me abriu caminho para mostrar a fusão da literatura com outras expressões artísticas. Lembro-me de que quando escrevia o livro, a imaginação do escritor me jogou também para outro mundo paralelo. Lá, comecei a escrever letras para alguns personagens e que já traziam consigo a intenção de serem musicadas. Acredito que seja um trabalho inédito até que se prove o contrário. Pelo menos por essas bandas amazônicas não conheço uma experiência semelhante. Penso que “Berlinda” é o primeiro romance com trilha musical independente.

Quando apresentei o romance e a música em Berlim ficou mais claro na minha cabeça que a experiência solitária do escritor poderia ser repensada no que fazer depois do livro escrito. O livro, quando ganha o mundo, por mais que passeie de mão em mão não descontrói a experiência do isolamento e da solidão vividas pelo leitor. O livro vai para a mão de anônimos, não há qualquer interação entre escritor e leitor para festejar o fim da clausura.

Se o livro ganha uma versão para o cinema, por exemplo, a história é terceirizada, sem a interferência do autor, em alguns casos. Acontecerá o mesmo se o romance ganhar uma adaptação teatral e até mesmo de balé, a ausência do autor no processo criativo.

Quando conclui “Berlinda” e parti para a criação de uma trilha para os personagens, fiz uma interferência direta.  Quebrei o isolamento em que vivi enquanto escrevia e tornei a história do romance num projeto coletivo. Chamei parceiros e criei uma ponte e um chão para o livro ser ouvido, pois estava carregado de musicalidade e queria sair do pedestal onde a literatura fica ou a colocam. A música é popular, a literatura não é massificada. Dei um livro para cada um parceiros e nos encontros realizados no estúdio de gravação, sempre tínhamos um tempo para que falasse do romance e da ideia sobre a trilha. Foi um bom trabalho de imersão. Todos assumiram o projeto com muita garra e disposição de dar o melhor de si.

A criação do vídeo com o samba-enredo do último capítulo do livro deu uma mostra da visualidade de literatura e também virou processo coletivo.

O surgimento da Berlinda Band foi um momento especial e marcante que tornou o livro mais presente nessa semente que plantei com algumas dificuldades no tempo de semear, mas que nem cabe aqui enumerar.

Quem produz cultura no Brasil, e é a maioria, não um grupo privilegiado por ausência de uma política cultural que seja para todos, sabe muito bem que meter a mão na massa e suar a camisa é a realidade. Além de ser um esforço operário é preciso ter vocação franciscana para concluir projetos que nascem de sonhos, ideias e ideais. Não é necessário fazer voto de pobreza, mas ter consciência de que o caminho das pedras pode ser longo e doloroso. Mas quem o escolheu que vá em frente ou entre no próximo desvio. Quem vive na Amazônia deve ter em mente que não somos um polo cultural na pátria amada salve salve! E minha experiência como leitor, principalmente, diz que santo de casa não faz milagre. Assim como os muros existentes ou já demolidos, como o de Berlim, temos outros muros, alguns sutis, outros no limbo da memória, outros como elementos do cenário e talvez mais naturais, como silêncio das selvas e um caminho arbóreo para ultrapassar. Ainda persiste uma ideia de que aqui só tem mata e que nossas ruas sofrem congestionamento provocado por jacarés.

Chega a ser risível, mas a Amazônia ainda não foi descoberta e sua produção cultural menos ainda. Nesses muros erguidos ao longo dos séculos, esquecem que além do meio ambiente há territórios habitados e que o povo daqui faz parte da história local, produz sua própria história e que não pode mais ser excluído, faça tempo bom para alguns ou tempo ruim para todos. E isso não é ficção.



terça-feira, 3 de junho de 2014

Feira com histórias para mil e uma noites

Um passeio maravilhoso pela galáxia da literatura. By Ronald Junqueiro


A falta de tempo e o cansaço me deixaram fora desde o último final de semana, pois estou indo direto para a Feira Pan-Amazônica do Livro, que este ano levou escritores e estudiosos para falar sobre a literatura e a cultura do mundo árabe. A Feira tem uma programação que não se limita apenas à literatura, é mais variada e quem vai ao Hangar encontra teatro, música, sarau, espaço para crianças começarem as primeiras leituras e exposição com temas da Copa do Mundo e um estande com mais de 200 títulos dobre futebol, essa paixão nacional que anda de bola murcha no Brasil, sede do campeonato que não fez pulsar corações em uníssono.

Na sexta-feira, 6, estrei dividindo a tarde com os jornalistas e escritores Walter Pinto e Ruth Rendeiro, que lançaram livros em 2013.

Vou deixar as coisas rolarem e volto na próxima semana. Estou fuçando as prateleiras dos autores árabes. Não tem muita coisa. Mas o que tem já valeu uma busca rápida. Encontrei já dois livros para os que estão se iniciando na cultura que não está tão distante de nós, um estado que tem a segunda maior colônia de países árabes, especialmente sírios e libaneses.

Já separei para ler por muito tempo, “Uma história dos povos árabes”, de Albert Hourani e "Orientalismo", de Edward W. Saíd. Ainda há um vazio muito grandes de autores traduzidos do árabe para o português falado no Brasil, acho que um pouco mais de vinte romances.

         O escritor homenageado este ano é Milton Hatoun, nascido em Manaus, que tem o coração dividido entre o Brasil e o oriente de onde vieram seus ancestrais que migraram para a Amazônia.