O universo da literatura guarda mais mistérios do que sonha a vã filosofia. By Ronald Junqueiro |
Ainda em ritmo
de Copa. Hoje, o Brasil quase dança no Mineirão ao enfrentar o Chile. Decisão
foi para os pênaltis. Não fosse uma trave no meio do caminho, o sofrimento
seria maior. A trave, a pedra, Drummond. É incrível como somos levados pelo que
lemos. Na estreia da Alemanha, em Salvador, com uma goleada de 4 x 0 em
Portugal, a cena que mais me inspirou foi a foto da chanceler Angela Dorothea
Merkel, virando um canecão de chope para comemorar a vitória, bem mais do que
ela cercada pelos jogadores no vestiário. Imaginei o quanto ela devia estar feliz,
bem mais que a presidente Dilma Roussef, vaiada e atacada com palavrões, manifestação
nada patriótica e desrespeitosa. Oposição se faz de outra forma e desemboca na
urna.
E assim as
memórias são construídas. Em “Berlinda – asas para o fim do mundo” a Copa na
Alemanha embala algumas cenas do romance e Angela Merkel aparece num momento
dando força ao time derrotado. Para mim, um discurso da chanceler consolando
seus cidadãos e sem emoção, mas como a mãe cumprindo o dever em acolher a
pátria, na tristeza. Foi preciso ter o Brasil no caminho para a Merkelzinha
tirar o ranço da autoridade – sem perder a autoridade – e comemorar com verdade
o que estava sentindo. Simpática, ela. Mostra uma dureza feita de matéria
flexível, que lhe permite ser um simples mortal. E quem sabe se a sede de
alegria não foi coisa da Dorothea? Tomara que ela tenha tomado um porre e tenha
se jogado em cama feita de lençóis de seda e de felicidade.
Todas as duas
mulheres são personagens riquíssimos para contadores de histórias, mas não os
que são contratados para urdir narrativas oficiais. Ou se fossem contratados,
deveriam ter sensibilidade afinada para saber que essas senhoras têm formas e
cheiros.
Parei em frente
da televisão e ouvi depoimentos de dois escritores brasileiros: Lourenço
Cazarré e João Gilberto Noll. O que une os dois e todos os escritores em
relação ao mundo é a palavra, mas a palavra constitui um universo que se
transforma e se multiplica por conta da emoção.
É uma riqueza
ouvir o que eles dizem. E eu sempre tive uma forte impressão que escritores não
eram pessoas para a fala e que a escrita era sua expressão absoluta. A escrita
é a fala, seja na prosa ou na poesia.
São os imortais
mortais e sentem, vivem angústia e sonhos, desejos e cansaços. Tudo regido por
uma disciplina imposta pelo desejo de se concretizar na palavra. Ser um
contador de história como se declarava Garcia Marques e como se projeta o
gaúcho Lourenço Cazarré.
Há temas que são
recorrentes como a solidão. Linda fala de Noll ao dizer que se sentia cansado
da solidão necessária para escrever e a paixão pela palavra, pela sintaxe e
pela musicalidade que há nessas construções da escrita.
Há muito que
aprender e vivenciar como andarilho do universo literário. Podemos domar as
palavras, mas não tempo e essa é a equação.
Admiro Cazarré
por estabelecer uma relação prática com os romances juvenis, que não passam das
100 páginas. Um ponto de equilíbrio para o que ela chama de literatura adulta,
que tem um ritmo menos acelerado e que o assalta na questão de tempo. Definiu
uma linha para contar história a partir do cânone literário. Defende que as
histórias têm começo, meio e fim e que não se preocupa em fundar uma nova
literatura.
Mas João
Gilberto Noll me chama a atenção quando se diz um “escritor da linguagem” e
nesse modo artesanal de construir o romance depois que acha o tom.
No meu entender,
esse tratamento artesanal da palavra podem até alcançar o que o escritor
acredita: literatura como tesão para leitor. Literatura pode ser erótica.
Será que precisaremos
de mil e uma noites para provar do erotismo criado pelas palavras, sem que a literatura
venha embalada num rótulo mal-ajambrado de “literatura erótica”? Somente o
leitor poderá dizer.