sábado, 8 de março de 2014

Passeio ao Farol

Farol da península de Sõrve, ao sul da ilha, entre o Golfo de Riga, à direita, e à esquerda do Mar Báltico. 

Onde fica Saaremaa? Bem longe, é um mundo distante. Mas mundos distantes sempre existiram e nem todos se materializarão para nós algum dia. Para muitos povos, a Amazônia é terra distante, até mesmo para os que moram mais perto.  Acredito que neste plano do ver, do saber, do existir e até mesmo do perceber tudo é, também, uma questão de perspectiva.

De repente vejo Saaremaa, na Estônia, a partir de uma fotografia que retrata o Farol da península de Sõrve, ao sul da ilha, entre o Golfo de Riga, à direita, e à esquerda do Mar Báltico. E, de repente, esse mundo distante fica tão perto. Pego meu trem na linha do tempo e me vejo em Mosqueiro, onde está o primeiro farol que vi na vida, ainda da infância, na praia do Farol. Memória tem dessas coisas, nos leva para onde menos esperamos. Mas basta ser provocada por algum acontecimento, um som, um cheiro, uma fotografia...  E desconfio que ela seja irmã siamesa da imaginação.

Mosqueiro foi nossa ilha da fantasia quando crianças. Nas férias de verão ou nas temporadas de inverno. A família reunida. A alegria na bagagem. Não tínhamos casa na ilha. As casas das férias sempre eram alugadas e sempre ali pelo centro da vila, nas cercanias do mercado onde íamos tomar café com tapioca, comprar peixe ou carne para o almoço e jantar e depois correr para a praia, do Areão, do Bispo nos dias de semana e nos finais de semana a excursão nos levava para praias mais distantes, à época, como a de São Francisco.

Praia com chuva era uma delícia! Outra lembrança que ficou foi o gosto do pãozinho quentinho que não sinto até hoje, nem mesmo nas variedades experimentadas nas melhores padarias brasileiras, francesas ou alemãs. Pão é uma tentação até hoje, como o bom pão de torresmo que só tem em São Paulo, em minha opinião.

Será que em Saaremaa tem um pãozinho tão gostoso e inesquecível como o de Mosqueiro?

Provavelmente, não saberei.

Mas o que tem a ver Saaremaa com Mosqueiro? Nada, a rigor. Conheço apenas uma pessoa que mora nessa ilha estoniana e que me escreveu um e-mail e gentilmente abre as portas da casa para uma visita à Estônia. Ela se chama Mele Pesti, já passou aqui pela Amazônia, deu uma paradinha em Belém há alguns anos, estuda português, e pesquisa literatura brasileira, mais precisamente, apresentou um estudo que faz sobre Macunaíma, de Mário de Andrade.

O anti-heroi brasileiro foi parar na Estônia. São incríveis esses passeios insuspeitos que podem fazer os romances e seus personagens, criados na “paulicéia desvairada” e agora abrigados numa casa na Europa Setentrional. Nas mãos de um dentre 15.000 habitantes da ilha. E trata-se de literatura, não de telenovela.

Nem fogueiras nem censura são obstáculos para os livros chegarem onde têm de chegar.

Ao olhar da ilha de Saaremaa, que tem uma história milenar, faço outra viagem no tempo. Já anotei num post it e colei na minha agenda (08.03) a próxima releitura: To The Lighthouse (Passeio ao Farol), de Virginia Woolf. Acho que tenho uma edição antiga, de 1982, da Nova Fronteira. Preciso reencontrar, urgentemente, Virginia, uma das maiores escritoras inglesas de todos os tempos.

The Lighthouse é um livro que fala do tempo, da passagem do tempo e a família Ramsay com certeza mexe com nossas lembranças, da casa dos primeiros anos de nossas vidas com a família ruidosa e, depois, quando os que estavam em nossas vidas saem de cena e a casa fica vazia.

Há mais ou menos cinco anos não vejo o farol de Mosqueiro. A última vez em que estive na ilha, a Silvia, minha irmã mais velha ainda era viva. Lembro-me da casa, em frente à baía, e do farol a guiar navios e memórias. Foi num belo final de semana, com direito a café quentinho passado na hora, tapioquinha, preguiça, cervejinha gelada, conversas, redes para embalar a prosa, risos, telefone sem sinal, televisão com chuvisco na tela e um som horroroso, alegria, sessão de fotografia. O tempo passou. Esta janela se fechou. 























Preciso reencontrar Virgínia Woolf.

Agora fico a imaginar os personagens do meu livro, os que estão na Estônia. Posso imaginar Leo, Alessia e Engel visitando o farol de Saaremaa, ouvindo a trilha musical do romance. Não fiz nenhum plano de voo para chegar a Talim e de lá pegar um ferry boat para ilha.

Mele, obrigado pelo convite.

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