sábado, 28 de setembro de 2013

Os dois lados do muro

Pulp fiction - tempos de violência inspira a art crimes. By Ronald Junqueiro.


Atrasou tudo na sexta-feira. Tomei chá de cadeira que me roubou cinco horas de vida, enfrentei engarrafamento para chegar ao supermercado e procurar um caixa eletrônico para pagar as conta porque os bancos estão em greve, passei a manhã toda sem internet e a editora também, pois nosso provedor anda uma porcaria. Por causa disso, o livro que deveria ficar pronto vai ter que esperar até segunda-feira, dia 30, quando a arte final será encaminhada para São Paulo. Aí a porca torce o rabo. O prazo dado pela gráfica parar mandar os livros no dia 10 de outubro já complicou. Periga não ter lançamento no dia 17 de outubro e terei que negociar outra data com a direção do Teatro Gasômetro.

Essa correria e os contratempos me deixaram sem energia e fiz o que sempre faço nessas ocasiões: fui dormir e nem tive vontade de escrever este diário. Mas de antemão já aviso aos navegantes que não acredito em teoria da conspiração, nem mesmo do universo. O que pode haver é um adiamento, simplesmente.

A capa, finalmente ficou pronta e muito bonita. É uma foto que retrata o Mauerpark (Parque do Muro), no bairro de Prenzelauer Berg, em Berlim, que até a queda do muro fazia parte da “faixa da morte” e ficava perto da famosa Bernauerstrasse. Essa faixa era divisa entre as duas Berlim, oriental e ocidental. Na foto do meu livro, dois ciclista passeiam em frente ao muro grafitado, numa manhã ensolarada de setembro, alheios ao terror da história. Restou cerca de 300 metros desse muro interno. Ano 2010.

Morei em Prenzleuer Berg, que ficava na antiga Alemanha Oriental. Ali a especulação urbana matou um pouco o chame do pedaço, que hoje mistura profissionais liberais e artistas. O bairro rejuvenesceu e veem-se muitos casais jovens empurrando carrinhos de bebê e, pasmem! Muitos gêmeos. O bairro é uma síntese do que significa a ‘gentrificacion’ ou gentrificação, um fenômeno urbano que muda o perfil do bairro ou da região, afetando a população local de baixa renda. A valorização da área expulsa os antigos moradores, famílias pobres.

Gentrification é uma palavra derivada de gentry, que tem origem francesa: genterise, que significa “de origem gentil, nobre”.  Os espaços urbanos residenciais e comerciais são reestruturados e vê-se, por exemplo, pequenos comércios familiares desaparecerem. Tipo a conhecida quitanda que a gente via nos bairros darem lugar a butiques. O termo gentrificação ainda não consta dos dicionários de português.  

Vou fazer um pouco de suspense e postar a capa no próximo dia 12, assim que voltar de Portugal. Deixo hoje na página outro pedaço do muro. O artista fez uma reprodução da foto de Uma Thurman, a partir do cartaz do filme ‘Pulp fiction – Tempo de violência’, do grande Quentin Tarantino.

Não dá para sentir a tristeza do luto que rondou o bairro e o parque é um dos principais pontos de encontro de berlinenses e turistas.  No local há um pequeno anfiteatro, quadra de esportes, playground e um extenso gramado para piqueniques e convescotes no verão, feirinha no melhor estilo ‘mercado das pulgas’ (Floh Market), onde se pode encontrar de móveis a roupas usados e alguns artigos da antiga Alemanha Oriental.

É um parque qualquer, não muito bonito, mas o grande barato é que ali, aos domingos, o clima é de festa, com karaokê ao ar livre. E um lugar para todas as tribos urbanas.

As almas penadas do local devem ficar numa boa.


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