sábado, 14 de setembro de 2013

Memórias do grafite

O "Beijo fraterno", do artista Dimitri Vrubel. East Side Gallery, Berlim.
Penso que estou na reta final e ao mesmo tempo vivo a ilusão deste tempo. Na quinta-feira, dia 5 de setembro, reuni com o editor do meu livro, Armando Alves Filho, dono da Editora Paka-Tatu, e com o artista gráfico Sérgio Bastos, para criar a capa do romance. Conversa longa. Como já falei outras vezes, capa é uma coisa que me atrai muito. Na verdade, capa é como fetiche. E tem que ser um recorte da história contada.  Defini a berlinda como o elo da narrativa, mas penso que ela não poderia ser elemento de capa, pois para nós é um símbolo muito forte da nossa religiosidade. O livro corre ao largo deste sentimento, ainda que faça menção em alguns momentos à devoção nazarena que envolve o povo daqui há mais de duzentos anos.

Graficamente encontrei o elemento que queria desde quando comecei a escrever e via que as pichações feitas em Belém apresentavam tendências que iriam evoluir para o grafite ou a art crimes como é conhecida essa intervenção urbana em Berlim, cidade que define tendências dessa expressão das artes visuais.

Quando, recentemente, em agosto, vi o trabalho desenvolvido pelo projeto RUA (Rota Urbana pela Arte), repaginando e colorindo fachadas e paredes de casas da Cidade Velha, conclui que estava na rota certa da capa. Essa intervenção no bairro mais antigo de Belém foi organizada pelos artistas Drika Chagas, John Fletcher, Sue Costa e Emanuel de Oliveira Junior, com o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), dos moradores do bairro e do projeto Bizu, desenvolvido pela Secretaria de Estado de Comunicação. Encontrei um link entre Belém e Berlim.

Todas as vezes que eu pensava na capa do livro, vinha à memória as pinturas da East Side Gallery, o maior espaço de exposição ao ar livre do mundo, com 1.30 km de extensão e mais de 100 murais pintados, que fica em Berlim. Vamos dizer que seja a versão oficial, mas Berlim é toda assim, a cidade é o cenário de uma manifestação grafítica urbana impressionante. A parte do muro mais fotografada da galeria é o “Beijo fraterno” entre o líder soviético Leonid Brejnev e o alemão Erich Honecker, painel pintado pelo artista russo Dimitri Vrubel. Há uma cópia do mural no museu de cera Madame Tussauds, em Berlim.

Além das ondas de vandalismo, a East Side Gallery estava ameaçada de demolição por um empreendimento imobiliário que queria construir um condomínio de luxo no entorno e o muro era obstáculo. Em março, os alemães cercaram o local em protesto e evitaram a demolição do muro remanescente da divisão do país. A construtora conseguiu arrancar 50 metros do muro. Não sei em que pé ficou essa história, pois deixei de acompanhar.

Um pouco mais de história aqui, nestes três links referentes à galeria East Side:

GALERIA UM

GALERIA DOIS

GALERIA TRÊS


Cidade Velha. By Sidney Oliveira
Pedreira. By Ronald Junqueiro
                                                                                                    
                                                                                             
O grafite ficou no meu imaginário. Todas as vezes que fui a Berlim, a sensação era de estar andando entre as páginas de um livro que contava histórias através dessa expressão urbana que invadiu quase todas as cidades do mundo. Cada canto da cidade escreve sua própria história e ganha personalidade própria. Das vezes que passeei perto do muro do Mauer Park, imaginava as pessoas que por ali transitavam. Andava pela rua de Bernau, que era dividida ao meio, na fronteira, e lembrava do soldado saltando o arame farpado, o primeiro saltador das duas cidades e ao mesmo tempo uma só, Berlim. 

Recolhi um poema do berlinense Kurt Bartsch que faz parte do livro "Entre a guerra e o muro", publicado pela Tessitura, coordenado por Rui Rothe-Neves e Georg Wink, uma coletânea de poesias bilingue. O Rui é maninho da Iva Rothe, musa da música em Belém. Colo aqui no meu mural o poema em alemão e português. O poema fala do soldado que vigiava o muro.

BERNAUER STRASSE

Die nächtliche Stadt. Im Stracheldraht
Der Posten zählt die Zigaretten.
Noch sind es dreizhen, sieben sind schon Rauch
Und jede war ein kurzer Frieden


RUA DE BERNAU

A cidade noturna. No arame farpado
A sentinela conta os cigarros,
Ainda são treze, sete viraram fumaça.
E cada um, uma curta paz

Tudo isso é muito mágico e cheio de significados como acontece agora quando passo pelo belo bairro da Cidade Velha, em Belém. Um lugar onde a cidade nasceu.

Esta semana, ao passar pela Avenida Pedro Miranda parei para fotografar o muro de uma escola que está em reforma. É meio tosco o resultado, mas sugere que pode vir a ser um grande livro urbano do grafite.

Do jeito que a cidade está, cercada de problemas por todos os lados, o colorido da art crimes traria um pouco de alegria para este cenário.

O projeto da capa seguirá essa linha e assim que for aprovado prometo postar uma foto no Diário da Berlinda.


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