sábado, 7 de setembro de 2013

Mastigando a folhinha

Mauer Park, Berlim. Não chore pelo leite derramado. By Ronald Junqueiro
Dentro de 40 dias a minha Berlinda romanesca estará na rua, depois da Berlinda da Virgem de Nazaré que muda a atmosfera da cidade no segundo domingo de outubro. O livro vem a público na quinta-feira, dia 17 de outubro, na semana depois da procissão do Círio. E já faço aqui uma restrição sobre a ideia de que livro é como cria ou filho. Escrevi um livro que na minha cabeça não é parto, logo não darei à luz nenhum ser vivo, se muito um ser imaginário. Também não compartilho da difundida ideia de que livro faça parte da trilogia da realização das pessoas que diz que só seremos plenos quando tivermos um filho, plantarmos uma árvore e escrevermos um livro. Isso é a coisa mais excludente e imbecil que ouvi na vida.

Livro é a concretização de um projeto de vida ou de uma vocação, de um talento exposto, faz parte de um processo criativo e a publicação nem sempre passa por um caminho sem pedras. Tudo tem custo. Tanto material quando subjetivo. E no Brasil, fazer qualquer coisa ligada à cultura, é como andar descalço num caminho de pedras. Que nos valham os amigos e amantes da cultura, esse mal necessário ao país que não a considera prioridade. O sonho é possível.

Entre e idas e vindas para ajuste e revisão de texto, criação da capa, prefácio, apresentação, orelhas, fotografias e outros detalhes a vontade de refazer alguma coisa é inevitável. É ansiedade sem tamanho e se o livro voltasse para ficar com a gente mais um tempo e se não houvesse prazos a cumprir, correria risco de sofrer grandes alterações. Fiz algumas mexidas nas 280 páginas romance e tive que segurar ímpetos para não alterar diálogos e reescrever algumas cenas. Esse comportamento me responde à ideia que faço do livro: é uma obra inacabada. Logo, a primeira edição é realmente produto candidato ao título de obra rara.

Aliás, mudando de pau pra tijolo, quem gosta de literatura policial, procure “Edições perigosas”, do escritor norte-americano John Dunning, publicado pela Cia das Letras. Ele vive em Denver, Colorado, onde tem uma livraria, a The Old Algonquin.


No romance, o detetive Cliff Janeway, bibliófilo amador, vai desvendar o mistério que envolve a morte de um mascate de livros raros ou dono de um sebo, como se diz no Brasil. Ou alfarrabista, como se diz em Portugal.  Como o personagem, o escritor é também bibliófilo e conhece a fundo o mercado livreiro, transitando por um mundo onde o livro é um grande fetiche. E quem pode imaginar que edições raras provocam crimes violentos num universo que se constrói a partir de best-sellers?  

Acho a figura do alfarrabista muito singular, cercado por gente, muitas vezes esquisita, que varre os sebos e liquidações de livros à cata de preciosidades vendidas a preço de banana ou de tomate, ex-vilão da inflação no primeiro semestre deste ano.

Já fui de frequentar sebos. Lembro-me do Econômico, que ficava na Travessa Campos Sales e do Sebo e Livraria Relicário, na Avenida Presidente Vargas. Mas não sei se ainda existem. Aqui na Pedreira, bairro onde moro, sempre passo por um que fica na Avenida Pedro Miranda, próximo da Travessa Timbó. Mas a internet está cheia de sites para todos os interesses literários e científicos. O que eu mais acesso é o sebo Estante Virtual, onde já encontrei boas liquidações

O alfarrabista descrito pelo detetive do romance de Dunning nos causa outra impressão. Talvez por ser de Denver, quem sabe? Um cara inadequado ao mundo real ou uma personalidade incompatível com qualquer outro ramo. Pode ser quieto e humilde ou agressivo e intimidador. Segundo o detetive Janeway, entre os alfarrabistas há os renegados e um ou outro psicótico. Nesse universo ninguém é normal.

Você conhece algum alfarrabista pessoalmente? O mascate livreiro de “Edições perigosas” ficou na ficção e este, com certeza, era um tipo de Denver.

Dificilmente estarei vivo para saber se algum dia meu romance seria o Grande Livro Raro. Ele pode chegar à primeira reimpressão e é preciso não confundir reimpressão com segunda edição ou mais. Até porque não penso fazer nenhuma mudança radical no texto depois que ele sair do forno.

A conversa com o editor tem sido boa. Cheguei à fase da revisão de uma prova já diagramada e encontrei na primeira leitura de dois capítulos duas concordâncias gramaticais com erro. É muito maluco ler para fazer reajustes e revisões, sempre aparece um errinho quase imperceptível. No final, bate um enorme cansaço misturado ao receio de não ter suprimido uma vírgula pendurada indevidamente numa frase e que a gente não conseguiu ver.

Para quem lidou com texto a vida inteira como eu, o que para muitos pode ser perdoável, para mim é terrível, quase uma tortura, e eu até deixei de brincar de arrancar um fio de cabelo a cada erro encontrado num texto, pois corria o risco de ficar literalmente careca.

Que falta faz um revisor nos jornais de hoje. Eles resistem heroicamente nas editoras de livros e revistas, mas na mídia diária é uma tristeza os crimes que são cometidos contra a língua da nossa pátria mãe gentil que podiam ser corrigidos pelo revisor.

Na internet, bom... Prefiro não comentar. Pelo menos agora.

O próximo round será a leitura final da livro diagramado que depois vai para cotejo da revisão. E então vem o que me atrai tanto nos livros: a capa.


Penso cá com meus botões se um dia consigo fazer uma travessia para a literatura policial. Vontade não me falta e sou fã demais de romances policiais. De qualquer forma, fico contente de ser um leitor de carteirinha dessas tramas detetivescas de personagens e autores inesquecíveis.

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