sábado, 28 de setembro de 2013
sábado, 21 de setembro de 2013
Capas na encruzilhada
Tudo começou neste rascunho, ideia que foi raspada da tabula rasa. E gerou 15 capas. |
O mundo da literatura reproduz tudo o
que o mundo real tem de torto ou de linha reta. Há pouco mais de duas semanas começou
a ser discutido o projeto gráfico da capa do meu livro. Quando falei a primeira
vez que queria uma capa sóbria, simples, tipo um fundo neutro e uma fonte que
lembrasse uma tipologia de grafite, jamais imaginei que qualquer alteração
mínima, como usar uma cor, um detalhe, uma fotografia e esse leque de tipos usados
por grafiteiros e artistas do art crimes nos muros cheios de desenhos, frases,
expressões e assinaturas na verdade representassem encruzilhadas abertas para
interpretações e significados a cada olhar.
Pensava muito no conceito de “tabula
rasa”, expressão latina que significa “tábua raspada”, com o mesmo sentido de “folha
de papel em branco”, que lembra a crise dos escritores diante de uma lauda onde
não conseguem colocar uma palavra ou iniciar uma frase. Fiz uns ensaios bem
amadores no photoshop para dizer ao editor que caminho eu vislumbrava para a capa,
como queria vestir o romance, criar uma embalagem.
Na Roma antiga,
as tábuas eram cobertas com fina camada de cera. Escrevia-se fazendo incisões sobre a cera com uma espécie de estilete, que eram apagadas de modo que se pudesse escrever de novo sobre a tabula rasa, quer dizer, sobre a tábua
raspada ou apagada. Paro aqui para não entrar nas questões filosóficas se formos buscar o conceito criado por Aristóteles que usou o termo “tábula rasa” como metáfora da condição da consciência de ser desprovida de
qualquer conhecimento inato.
Olhar as possibilidades de
apagar e criar tudo de novo me lembrava também a capa como um palimpsesto,
pergaminho ou papiro usado para escrita que era apagada com raspagem de pedra-pomes
ou lavagem para que o papel fosse usado novamente.
Mas depois da tábula (ou a
tela do computador) ser usada e o pergaminho servir de suporte à escrita ou ao
desenho numa versão moderna, num tablet, com suportes tecnológicos, deixam
arquivos, como se fosse camadas, que podem ser revistas sempre.
Hoje tudo isso é bem mais
fácil com as ferramentas fornecidas por programas gráficos criados para
computador. Mesmo assim não consigo deixar ver que a arte da capa tem muito do
artesanal, da mesma forma como a criação de scrapbook, colagens, recortes, letrinhas,
cores, gramaturas e estiletes, tesouras, colas. Isso me remete à escola
primária e às precárias aulas de educação artística. É preciso manter esse
espírito para mão ficar tentado a dar apenas soluções de software.
Encontrei um blog
interessante para quem quiser pensar mais sobre o tema. O designer editorial
Rubens Lima revela os sete segredos da criação de capas de livros no site “O Capista”.
Nesse mundo de designers
cada vez mais especializados em função dos produtos por eles desenvolvidos, na
área gráfica gosto da palavra capista, do profissional que veste esta capa, e
que parece profissional em extinção como se tornaram os sineiros, os remendões
(antigos sapateiros) que recuperavam as solas de sapatos furadas de tanto uso,
as costureirinhas de bairro... Muitas profissões desapareceram do mercado, como
os acendedores de lampião. Outras migraram. Os capistas do futuro serão
especializados em e-books e talvez percam o romântico título de quem encheu
estantes e bibliotecas com embalagens de aventuras, romances, filosofia,
ciências, artes e até páginas envenenadas.
Mas será que os livros como
os conhecemos serão extintos completamente? Acho que não viverei até lá.
Enquanto este tempo não
chega não renegarei minha paixão por lombadas dispostas irregularmente numa
estante, das capas de livros que a gente deixa quietos no criado mudo, sobre a
cama, espalhados pelos móveis da casa e do apartamento. Há uma mistura de
emoção e estética pensar desse modo. E mais, há o ritual de levar o livro para
aquele nosso cantinho de leitura, de dormir com o autor sem conotações
eróticas. E a saudade de personagens. E há dedicatórias. E há histórias. E
aquele cheirinho de livro novo?
Eu experimento o tablet sem
traumas e até gosto do balé do movimento do indicador pressionando ou
alternando telas, sem precisar usar saliva para virar uma página de papel e
correr o risco de ser envenenado por algum cortesão, rs.
Pois bem, nunca vivi um
momento de tamanha indecisão. Das 15 propostas de capas apresentadas, restaram
duas com duas variações em torno delas, ou seja, quatro capas. Tenho que
escolher uma até segunda-feira.
Copiei esta frase do blog do
Rubens Lima que resume bem o que é uma capa de livro:
“A capa de um livro é uma
das poucas embalagens que é parte do produto. Não é descartável e, em condições
normais, permanece conectada ao produto até o seu derradeiro fim.”
Os livros seguirão comigo.
sábado, 14 de setembro de 2013
Memórias do grafite
O "Beijo fraterno", do artista Dimitri Vrubel. East Side Gallery, Berlim. |
Penso que estou na reta final e ao mesmo
tempo vivo a ilusão deste tempo. Na quinta-feira, dia 5 de setembro, reuni com
o editor do meu livro, Armando Alves Filho, dono da Editora Paka-Tatu, e com o
artista gráfico Sérgio Bastos, para criar a capa do romance. Conversa longa. Como
já falei outras vezes, capa é uma coisa que me atrai muito. Na verdade, capa é
como fetiche. E tem que ser um recorte da história contada. Defini a berlinda como o elo da narrativa,
mas penso que ela não poderia ser elemento de capa, pois para nós é um símbolo
muito forte da nossa religiosidade. O livro corre ao largo deste sentimento,
ainda que faça menção em alguns momentos à devoção nazarena que envolve o povo
daqui há mais de duzentos anos.
Graficamente encontrei o elemento que
queria desde quando comecei a escrever e via que as pichações feitas em Belém
apresentavam tendências que iriam evoluir para o grafite ou a art crimes como é
conhecida essa intervenção urbana em Berlim, cidade que define tendências dessa
expressão das artes visuais.
Quando, recentemente, em agosto, vi o
trabalho desenvolvido pelo projeto RUA (Rota Urbana pela Arte), repaginando e
colorindo fachadas e paredes de casas da Cidade Velha, conclui que estava na
rota certa da capa. Essa intervenção no bairro mais antigo de Belém foi
organizada pelos artistas Drika Chagas, John Fletcher, Sue Costa e Emanuel de
Oliveira Junior, com o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), dos moradores do bairro e do projeto Bizu, desenvolvido pela
Secretaria de Estado de Comunicação. Encontrei um link entre Belém e Berlim.
Todas as vezes que eu pensava na capa do
livro, vinha à memória as pinturas da East Side Gallery, o maior espaço de
exposição ao ar livre do mundo, com 1.30 km de extensão e mais de 100 murais
pintados, que fica em Berlim. Vamos dizer que seja a versão oficial, mas Berlim
é toda assim, a cidade é o cenário de uma manifestação grafítica urbana impressionante. A parte do muro mais fotografada da
galeria é o “Beijo fraterno” entre o líder soviético Leonid Brejnev e o alemão
Erich Honecker, painel pintado pelo artista russo Dimitri Vrubel. Há uma cópia
do mural no museu de cera Madame Tussauds, em Berlim.
Além das ondas de vandalismo, a East Side
Gallery estava ameaçada de demolição por um empreendimento imobiliário que queria construir um condomínio de luxo no entorno e o muro era obstáculo. Em março, os alemães cercaram o local em protesto e evitaram a demolição do muro remanescente da divisão do país. A construtora
conseguiu arrancar 50 metros do muro. Não sei em que pé ficou essa história,
pois deixei de acompanhar.
Um pouco mais de história aqui, nestes três links referentes à
galeria East Side:
GALERIA UM
GALERIA DOIS
GALERIA TRÊS
Cidade Velha. By Sidney Oliveira |
Pedreira. By Ronald Junqueiro |
O grafite ficou no meu imaginário. Todas
as vezes que fui a Berlim, a sensação era de estar andando entre as páginas de
um livro que contava histórias através dessa expressão urbana que invadiu quase
todas as cidades do mundo. Cada canto da cidade escreve sua própria história e ganha personalidade própria. Das vezes que passeei perto do muro do Mauer Park, imaginava as pessoas que por ali transitavam. Andava pela rua de Bernau, que era dividida ao meio, na fronteira, e lembrava do soldado saltando o arame farpado, o primeiro saltador das duas cidades e ao mesmo tempo uma só, Berlim.
Recolhi um poema do berlinense Kurt Bartsch que faz parte do livro "Entre a guerra e o muro", publicado pela Tessitura, coordenado por Rui Rothe-Neves e Georg Wink, uma coletânea de poesias bilingue. O Rui é maninho da Iva Rothe, musa da música em Belém. Colo aqui no meu mural o poema em alemão e português. O poema fala do soldado que vigiava o muro.
Tudo isso é muito mágico e cheio de significados como acontece agora quando passo pelo belo bairro da Cidade Velha, em Belém. Um lugar onde a cidade nasceu.
Esta semana, ao passar pela Avenida Pedro Miranda parei para fotografar o muro de uma escola que está em reforma. É meio tosco o resultado, mas sugere que pode vir a ser um grande livro urbano do grafite.
Recolhi um poema do berlinense Kurt Bartsch que faz parte do livro "Entre a guerra e o muro", publicado pela Tessitura, coordenado por Rui Rothe-Neves e Georg Wink, uma coletânea de poesias bilingue. O Rui é maninho da Iva Rothe, musa da música em Belém. Colo aqui no meu mural o poema em alemão e português. O poema fala do soldado que vigiava o muro.
BERNAUER STRASSE
Die nächtliche Stadt. Im Stracheldraht
Die nächtliche Stadt. Im Stracheldraht
Der Posten zählt die Zigaretten.
Noch sind es dreizhen, sieben sind schon Rauch
Und
jede war ein kurzer Frieden
RUA DE BERNAU
RUA DE BERNAU
A
cidade noturna. No arame farpado
A
sentinela conta os cigarros,
Ainda
são treze, sete viraram fumaça.
E
cada um, uma curta pazTudo isso é muito mágico e cheio de significados como acontece agora quando passo pelo belo bairro da Cidade Velha, em Belém. Um lugar onde a cidade nasceu.
Esta semana, ao passar pela Avenida Pedro Miranda parei para fotografar o muro de uma escola que está em reforma. É meio tosco o resultado, mas sugere que pode vir a ser um grande livro urbano do grafite.
Do jeito que a cidade está, cercada de
problemas por todos os lados, o colorido da art crimes traria um pouco de
alegria para este cenário.
O projeto da capa seguirá essa linha e assim
que for aprovado prometo postar uma foto no Diário da Berlinda.
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sábado, 7 de setembro de 2013
Mastigando a folhinha
Mauer Park, Berlim. Não chore pelo leite derramado. By Ronald Junqueiro |
Dentro de 40 dias a minha Berlinda
romanesca estará na rua, depois da Berlinda da Virgem de Nazaré que muda a
atmosfera da cidade no segundo domingo de outubro. O livro vem a público na
quinta-feira, dia 17 de outubro, na semana depois da procissão do Círio. E já
faço aqui uma restrição sobre a ideia de que livro é como cria ou filho.
Escrevi um livro que na minha cabeça não é parto, logo não darei à luz nenhum
ser vivo, se muito um ser imaginário. Também não compartilho da difundida ideia
de que livro faça parte da trilogia da realização das pessoas que diz que só
seremos plenos quando tivermos um filho, plantarmos uma árvore e escrevermos um
livro. Isso é a coisa mais excludente e imbecil que ouvi na vida.
Livro é a concretização de um projeto de
vida ou de uma vocação, de um talento exposto, faz parte de um processo
criativo e a publicação nem sempre passa por um caminho sem pedras. Tudo tem
custo. Tanto material quando subjetivo. E no Brasil, fazer qualquer coisa
ligada à cultura, é como andar descalço num caminho de pedras. Que nos valham
os amigos e amantes da cultura, esse mal necessário ao país que não a considera
prioridade. O sonho é possível.
Entre e idas e vindas para ajuste e
revisão de texto, criação da capa, prefácio, apresentação, orelhas, fotografias
e outros detalhes a vontade de refazer alguma coisa é inevitável. É ansiedade
sem tamanho e se o livro voltasse para ficar com a gente mais um tempo e se não
houvesse prazos a cumprir, correria risco de sofrer grandes alterações. Fiz
algumas mexidas nas 280 páginas romance e tive que segurar ímpetos para não
alterar diálogos e reescrever algumas cenas. Esse comportamento me responde à
ideia que faço do livro: é uma obra inacabada. Logo, a primeira edição é
realmente produto candidato ao título de obra rara.
Aliás, mudando de pau pra tijolo, quem
gosta de literatura policial, procure “Edições perigosas”, do escritor norte-americano
John Dunning, publicado pela Cia das Letras. Ele vive em Denver, Colorado, onde
tem uma livraria, a The Old Algonquin.
No romance, o detetive Cliff Janeway,
bibliófilo amador, vai desvendar o mistério que envolve a morte de um mascate
de livros raros ou dono de um sebo, como se diz no Brasil. Ou alfarrabista,
como se diz em Portugal. Como o
personagem, o escritor é também bibliófilo e conhece a fundo o mercado
livreiro, transitando por um mundo onde o livro é um grande fetiche. E quem
pode imaginar que edições raras provocam crimes violentos num universo que se
constrói a partir de best-sellers?
Acho a figura do alfarrabista muito
singular, cercado por gente, muitas vezes esquisita, que varre os sebos e
liquidações de livros à cata de preciosidades vendidas a preço de banana ou de
tomate, ex-vilão da inflação no primeiro semestre deste ano.
Já fui de frequentar sebos. Lembro-me do
Econômico, que ficava na Travessa Campos Sales e do Sebo e Livraria Relicário,
na Avenida Presidente Vargas. Mas não sei se ainda existem. Aqui na Pedreira,
bairro onde moro, sempre passo por um que fica na Avenida Pedro Miranda,
próximo da Travessa Timbó. Mas a internet está cheia de sites para todos os
interesses literários e científicos. O que eu mais acesso é o sebo Estante Virtual, onde já encontrei boas liquidações
O
alfarrabista descrito pelo detetive do romance de Dunning nos causa outra
impressão. Talvez por ser de Denver, quem sabe? Um cara inadequado ao mundo
real ou uma personalidade incompatível com qualquer outro ramo. Pode ser quieto
e humilde ou agressivo e intimidador. Segundo o detetive Janeway, entre os
alfarrabistas há os renegados e um ou outro psicótico. Nesse universo ninguém é
normal.
Você conhece algum alfarrabista
pessoalmente? O mascate livreiro de “Edições perigosas” ficou na ficção e este,
com certeza, era um tipo de Denver.
Dificilmente estarei vivo para saber se
algum dia meu romance seria o Grande Livro Raro. Ele pode chegar à primeira
reimpressão e é preciso não confundir reimpressão com segunda edição ou mais.
Até porque não penso fazer nenhuma mudança radical no texto depois que ele sair
do forno.
A conversa com o editor tem sido boa.
Cheguei à fase da revisão de uma prova já diagramada e encontrei na primeira
leitura de dois capítulos duas concordâncias gramaticais com erro. É muito
maluco ler para fazer reajustes e revisões, sempre aparece um errinho quase
imperceptível. No final, bate um enorme cansaço misturado ao receio de não ter
suprimido uma vírgula pendurada indevidamente numa frase e que a gente não
conseguiu ver.
Para quem lidou com texto a vida inteira
como eu, o que para muitos pode ser perdoável, para mim é terrível, quase uma
tortura, e eu até deixei de brincar de arrancar um fio de cabelo a cada erro
encontrado num texto, pois corria o risco de ficar literalmente careca.
Que falta faz um revisor nos jornais de
hoje. Eles resistem heroicamente nas editoras de livros e revistas, mas na
mídia diária é uma tristeza os crimes que são cometidos contra a língua da
nossa pátria mãe gentil que podiam ser corrigidos pelo revisor.
Na internet, bom... Prefiro não
comentar. Pelo menos agora.
O próximo round será a leitura final da livro diagramado que depois vai para cotejo da revisão. E então vem o que me atrai tanto nos livros: a
capa.
Penso cá com meus botões se um dia
consigo fazer uma travessia para a literatura policial. Vontade não me falta e
sou fã demais de romances policiais. De qualquer forma, fico contente de ser um
leitor de carteirinha dessas tramas detetivescas de personagens e autores
inesquecíveis.
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The Old Algoquian
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